Como se fosse um tesouro, ele escolheu um lugar bem protegido para fazer a sua morada. Um pouco distante dos humanos e numa área que a Mata Atlântica é tão densa que forma refúgios. São seis estratos de copas de árvores, que, como tetos sobrepostos, formam camadas de proteção. É daqueles ambientes sombreados e úmidos, onde apenas alguns raios de sol chegam, abrindo espaço entre as árvores e iluminando o denso verde.
Foi nesse entorno de abrigo e de encanto que o Abrachium floriforme se revelou. Tanta proteção se explica: ele é um daqueles cogumelos delicados e frágeis, que o toque descuidado pode destruir. E, além disso, o Abrachium floriforme é raro. Até onde se sabe, é um macrofungo registrado apenas no Brasil, principalmente no nordeste.
Isso faz ainda mais especial as aparições dele no Sítio São José, no Sertão do Taquari, em Paraty (RJ). Curiosamente, quando ele apareceu foi logo para muitas pessoas. Nas três ocasiões, o Abrachium floriforme surgiu para grupos de estudiosos, curiosos e foragers que participavam da vivência de Cogumelos da Mata Atlântica. “A segunda vez que encontramos o cogumelo foi muito forte para mim. Percebi que não havia sido algo pontual, ele estava morando ali, os micélios estão ali”, relembra Jorge Ferreira, condutor das expedições.
O Abrachium floriforme é um cogumelo conhecido mais recentemente. A espécie foi descrita por um pesquisador brasileiro, Iuri Baseia, em 2005, numa área de Mata Atlântica remanescente no Rio Grande do Norte. Na ocasião, nomearam o fungo como Aseroë floriformis. Posteriormente, em 2012, um estudo morfológico e molecular encabeçado pela pesquisadora Tiara Sousa Cabral indicou ser um novo gênero, ele então foi renomeado como Abrachium floriforme.
O trabalho dos cientistas diante de uma novidade não é simples. “A identificação desse grupo de fungos é muito difícil. Ela é feita pela coloração, formato antes de secar e estrutura dos braços”, explica Marcelo Sulzbacher, pesquisador e educador de fungos comestíveis. Prova disso é que as pesquisas sobre o Abrachium ainda trazem novidades. “Um estudo de 2021 encabeçado pela pesquisadora Gislaine Melanda evidenciou que esta espécie pode, na verdade, pertencer a um outro gênero conhecido desde 1753, Clathrus, embora novas coleções sejam ainda necessárias para certificar essa hipótese”, explica Nelson Menolli Jr., professor e pesquisador da área de micologia com foco nas espécies de cogumelos comestíveis silvestres.
Assim como seu formato característico ajudou sua identificação, isso também orientou a escolha de seu nome. O nome genérico Abrachium significa ausência de braços, em contraposição a outros fungos da mesma família, que se caracterizam por terem estruturas semelhantes a braços abertos. Já o floriforme indica a sua semelhança com uma flor.
E essa característica é impossível de não ser notada. Se desenvolvendo do solo, subindo céus e se abrindo ao mundo, é como uma flor que se destaca no campo. O formato lembra o de flores como girassol ou margaridas. A superfície superior é formada por um centro de cor avermelhada intensa rodeado por uma delicada parte mais clara, de coloração branca, amarela ou rosada.
O odor do Abrachium floriforme também faz ele se destacar. O cheiro é bem forte, lembrando carne podre, ou seja, nada agradável – ao menos, não para nós, humanos. “É um atrativo para os insetos que pousam procurando carne, daí descobrem que não tem nada mas já saem levando os esporos nas patas”, explica Marcelo.
Todo esse conjunto de elementos tão peculiares e atraentes, suas cores, formato e cheiro, tem seu porquê. Afinal, de tão escondido na mata, o Abrachium floriforme precisa lançar mão de alguns artifícios para se fazer notar e se perpetuar. Tomara que ele tenha sorte nessa missão e que surjam mais exemplares do Abrachium floriforme para colorir o verde da floresta.
Foi incrível acompanhar esta descoberta em uma das vivências! 🍄🙏🏻❤️